Que a marcha contra a corrupção é praticamente inútil e despolitizada muitos já devem saber, e eu tentei ajudar com a postagem abaixo. O que me motiva a fazer esse post é apenas complementar o outro com dados mais sólidos, para escancarar a ingenuidade de quem ainda acha que a corrupção é o principal problema do país enquanto temos uma crise econômica internacional batendo à nossa porta. Além disso, reforçar algumas questões e sugerir outros textos nunca é demais.
A respeito das marchas contra a corrupção, o que era uma intuição (ou seria uma obviedade?), se confirmou: não existem demandas concretas, as manifestações, via de regra, são elitistas e o discurso consiste num senso comum apoiado no imaginário moralista inflado pela mídia corporativa.
O Eduardo Guimarães mostra isso de um modo bem simples e claro: entrevistando os manifestantes paulistas dessa marcha (que teve em SP justamente o maior público). Os entrevistados consideravam o país melhor a dez anos atrás, alguns sentem falta da ditadura, outros acham que urge o impeachment da Dilma - versões da clássica "a culpa é do Lula". Como tentei expôr na postagem anterior, são necessários mecanismos alucinatórios ou simplesmente muita cara de pau para imaginar que o país era melhor - sob qualquer aspecto - há dez anos, inclusive em termos de corrupção.
Ao contrário do que tentam fazer Veja, Globo e cia, não vamos aqui tentar quantificar os recursos desviados por corupção apoiados em índices completamente subjetivos, como bem aponta Marcus Coimbra, na sua coluna da Carta Capital. O que podemos fazer é buscar indícios concretos de que a corrupção melhorou ou piorou, sem se apoiar na impressão gerada pelo poder de agenciamento midiático. E bom, nesse sentido, temos boas notícias: o número de prefeitos cassados vêm aumentando a cada eleição, (em 2002, dos 5.562 prefeitos eleitos, 72 foram cassados. Em 2008, esse número subiu para 179 - mais que o dobro), além do notório caso de José Roberto Arruda, ex-governador do DF pelo DEM, que foi o primeiro governador preso após a redemocratização. Além disso, em 2009, o TSE cassou o mandato de três outros governadores: Marcelo Miranda (PMDB-TO), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), filho de Ronaldo Cunha Lima, e Jackson Lago (PDT-MA). Mais um número recorde para o país.
Tais números evidenciam um inegável fortalecimento institucional, contrariando o senso comum de que "tudo dá em pizza" ou que a situação está pior que antes. Não, não quero dizer que a corrupção não é um problema grave no Brasil, mas sim destroçar o moralismo e as alucinações que culpam o Lula por "tudo isso que ta aí". Mais um número: o TSE liberou o "ranking dos partidos corruptos", onde contabiliza os partidos com mais políticos cassados por corrupção: na liderança o DEM, com 69 políticos, em segundo o PMDB, com 66, e em terceiro o PSDB, com 58. O PT, teoricamente o culpado de tudo, aparece em nono, com 10 cassados.
Então vamos ao que fica evidente: não há indícios de que a corrupção tenha aumentado, enquanto há fortes indicadores de fortalecimento institucional. As Marchas contra a Corrupção tem um viés moralista, que buscam reduzir problemas estruturais a questões morais, de preferência apontando a "Era Lula" como o princípio - ou a explosão - da corrupção. Os principais partidos que hoje se vestem como bastião da ética lideram os ranking de partidos corruptos, evidenciando não apenas a moralidade seletiva de seus políticos, mas também de veículos como Veja, Folha de SP, Estadão e Globo, que fomentam o imaginário antipetista e a ideia de que o pragmatismo lulista é a origem de todo mal.
Para finalizar, acho bom ressaltar que a corrupção é um problema grande, sim, mas que não deve ser tratado pela ótica moralista ou partidária, mas sim compreendida em suas raízes socilógicas. No entanto, deixo uma sugestão de texto que não poderia ser mais preciso e elucidativo. Nele, o autor, Francisco Fonseca, desmistifica brevemente as "raízes" da corrupção comumente apontadas pela mídia e seus ventrículos para em seguida expor concisamente a questão fudamental: a corrupção nada mais é que a lógica privatizante do Estado, da coisa pública, e não há saída a curto prazo mais eficiente e urgente que o financiamento 100% público de campanhas - proposta que dá calafrios nos principais colunistas dos grandes veículos, e quem dirá na bancada empresarial, na bancada ruralista, etc. Caro leitor, te faz um favor e lê esse texto: A corrupção como fenômeno político.
para-doxando
a ideia é ter um espaço para expor pensamentos e sensações. original, não? enfim, mais uma ilha nesse oceano da internet onde pretendo transcrever algumas ideias e conversas sobre política, arte, história(s) e outras amenidades...
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Por que não participei da Marcha contra a corrupção
Pra começar esse post de modo incisivo: não participei da Marcha contra a corrupção porque ela tenta transformar problemas estruturais em uma questão moral e disciplinar. Novamente o debate público é inundado por clamores moralistas e se recusa a uma discussão mais profunda das questões políticas latentes.
Façamos uma breve(íssima) retrospectiva sobre quando a opinião pública e a opinião publicada foram pautadas pela questão da corrupção: meados da década de 50, UDN, Carlos Lacerda, Tribuna da Imprensa, "mar de lama" e um tiro no peito de Getúlio Vargas.
Jânio Quadros e seu desastroso mandato foram resultado de promessas de moralização da política e promoção de uma limpeza na administração pública - lembra da vassourinha?
Após a redemocratização, novamente surge um presidente jovem e ousado, capaz de peitar o corporativismo estatal e dar eficiência à máquina pública. Fernando Collor, o caçador de Marajás!
Essa breve retrospectiva até o David Coimbra fez, beleza. Mas ela não apenas mostra que quando o debate político foi pautado pela moral erramos feio, mas também que o debate sobre a corrupção sempre se sobrepôs e abafou as questões de relevância muito maior. Sempre que a sociedade brasileira se viu em uma espécie de encruzilhada, em vez de debatermos projetos nacionais e reformas estruturais, fomos pautados por um discurso indignado e cego, sem propostas e objetivos, com direito a bravatas e discursos inflamados que apontavam desordenadamente para todos lados, paradoxalmente andando para lugar algum.
Pensemos no aqui agora: o governo Lula representou disparado os maiores avanços sociais da história do Brasil, em diversos sentidos. No entanto, foi constantemente pautado pela corrupção. Sendo simplista (porque se for me aprofundar em debater todos governos acusados de corrupção, não pararia de escrever nunca), o que ocorreu - e está ocorrendo -, de modo geral, é que diante do sucesso (em termos de aprovação popular) do projeto lulista, restou à oposição, incluindo aí a mídia hegemônica, o bom (ou nem tão bom assim) e velho discurso udenista-moralista. O que temos agora com Dilma não é apenas a continuidade do projeto lulista, mas também a continuidade de uma oposição perdida, sem projeto, vazia em propostas e por isso mesmo cheia de bravatas.
Bueno, é óbvio que o leitor a essa altura deve achar que sou um petista doente que defende incondicionalmente o governo. E não poderia estar mais enganado. Acham que estou dizendo que não devemos então nos mobilizar contra a corrupção? De modo algum. O problema é a dimensão que o debate tomou e ocupou na agenda pública.
É no mínimo preocupante que, enquanto Europa, mundo árabe e até os EUA discutem e repensam o modelo econômico e político que nos foi imposto, enquanto o Chile sai às ruas para discutir e demandar Educação, nós nos voltemos contra esse fantasma, esse espectro maligno que, como por mágica, se apoderou do Congresso.
"O brasileiro" insiste em ver seus políticos como algo separado da sociedade, descolado da realidade. Isso é em parte verdade, mas veicula uma grande mentira: a de que os políticos governam e legislam em causa própria. É uma meia verdade que eles "não nos representam" (e atente para as diferenças que esse lema possui na Espanha e aqui). O problema é quem eles representam. Pois todo político está lá em nome de forças sociais, e a questão é que essas forças sociais estão representadas de modo totalmente desigual.
As três maiores bancadas são a empresarial, a ruralista e a evangélica. Ora, isso obviamente não é uma representação legítima das forças sociais. E esse é o principal problema da marcha contra a corrupção: ela é totalmente incapaz de ver os mecanismos que capturam o sistema político.
Essa captura pelos grandes grupos econômicos e outras elites é a causa fundamental do imobilismo nos temas mais importantes que temos de debater.
É justamente essa distorção perversa da democracia que está em xeque no mundo ocidental, mas enquanto poderíamos discutir outras formas de organização política e econômica, a marcha se investe de uma "neutralidade", de um "apartidarismo", e de bandeiras toscas que só conseguem reforçar o coro punitivista que encharca o tecido social de ódio.
Afinal, o que esperam atingir? Que os políticos ouçam o grito que vem das ruas e se sintam culpados de formar e privilegiar os cartéis do Planalto? Que parem e pensem "ooh, meu deus, eles não estão satisfeitos com meu trabalho"?
Enfim, além de ser inútil, não ter propostas nem bandeiras decentes e se revestir de uma "neutralidade" que não existe e nem nunca existiu, o movimento trabalha nessa dicotomia tosca de "nós, população civil", contra "eles, políticos". Mas é óbvio que grande parte desse movimento acha que o responsável pela corrupção é o PT - e vá lá, o PMDB -, enquanto outros acham que é o Sarney, e outros acham que é o capitalismo. O que fica evidente é: essa necessidade de neutralidade, de "NÃO LEVEM BANDEIRAS DE PARTIDOS", etc, apenas evidencia a fragilidade de um movimento que luta contra uma abstração mas que possui dentro de si as verdadeiras divergências e lutas que permeiam a sociedade.
Além disso, ficou novamente claro o poder de agenciamento que a mídia hegemônica tem sobre o debate público. Praticamente todos estão convencidos de que nunca houve tanta corrupção no país. Porra, quem pensa isso não conhece um pingo da história do Brasil. A formação do Estado brasileiro é essencialmente corrupta. Alguém acha que a República Velha e o Estado Varguista eram probos e ilibados? A mais cômica de todas as afirmações é que na ditadura não havia tudo isso que tá aí. Aham, com a inexistência de Ministério Público e liberdade de Imprensa, e com a Polícia Federal mais preocupada em estuprar e matar do que fiscalizar os mecanismo de poder, bom, não fica difícil esconder a sujeira debaixo do tapete.
Se os alvos se direcionam contra o PMDB e a aliança dessa gigantesca máquina fisiológica sem cor ideológica, bom, basta dizer que o Sarney também foi presidente do Senado na base aliada do FHC, e que o Renan Calheiros chegou a ser Ministro da Justiça (sim! parece piada!) do príncipe dos sociólogos. Pra não falar no Toninho Malvadeza, grande ministro das comunicações! Enfim, a tchurma podre que ocupa o Congresso não brotou da umidade (ou falta de) do ar do Planalto, e tampouco chegou ali com o Lula.
Essa juventude pulitisada que ta aí na rua contra a corrupção é muito bonita, a mídia ta adorando, principalmente o Iotti e seu "acorda zé povinho!". Mas a questão é que esse moralismo se dissolverá facilmente no ar, e tomara que cedo, pois temos de protestar e pautar a mídia - em vez de ser pautados por ela - com os verdadeiros temas: reforma tributária progressiva (pois aí reside um dos sustentáculos maiores da desigualdade brasileira), reforma agrária (para ressuscitar essa causa que o PT vem ajudando a enterrar), regulamentação da mídia, revisão da política de drogas (leia-se LEGALIZE JÁ), etc. (poderia me delongar e falar ainda sobre reforma psiquiátrica, causa LGBT, entre tantas outras extremamente mais importante que essa que temos aí).
Afinal, quem é a favor da corrupção? Está na hora de tirar as máscaras moralistas e empunhar bandeiras onde as tensões sociais realmente se revelem.
Façamos uma breve(íssima) retrospectiva sobre quando a opinião pública e a opinião publicada foram pautadas pela questão da corrupção: meados da década de 50, UDN, Carlos Lacerda, Tribuna da Imprensa, "mar de lama" e um tiro no peito de Getúlio Vargas.
Jânio Quadros e seu desastroso mandato foram resultado de promessas de moralização da política e promoção de uma limpeza na administração pública - lembra da vassourinha?
Após a redemocratização, novamente surge um presidente jovem e ousado, capaz de peitar o corporativismo estatal e dar eficiência à máquina pública. Fernando Collor, o caçador de Marajás!
Essa breve retrospectiva até o David Coimbra fez, beleza. Mas ela não apenas mostra que quando o debate político foi pautado pela moral erramos feio, mas também que o debate sobre a corrupção sempre se sobrepôs e abafou as questões de relevância muito maior. Sempre que a sociedade brasileira se viu em uma espécie de encruzilhada, em vez de debatermos projetos nacionais e reformas estruturais, fomos pautados por um discurso indignado e cego, sem propostas e objetivos, com direito a bravatas e discursos inflamados que apontavam desordenadamente para todos lados, paradoxalmente andando para lugar algum.
Pensemos no aqui agora: o governo Lula representou disparado os maiores avanços sociais da história do Brasil, em diversos sentidos. No entanto, foi constantemente pautado pela corrupção. Sendo simplista (porque se for me aprofundar em debater todos governos acusados de corrupção, não pararia de escrever nunca), o que ocorreu - e está ocorrendo -, de modo geral, é que diante do sucesso (em termos de aprovação popular) do projeto lulista, restou à oposição, incluindo aí a mídia hegemônica, o bom (ou nem tão bom assim) e velho discurso udenista-moralista. O que temos agora com Dilma não é apenas a continuidade do projeto lulista, mas também a continuidade de uma oposição perdida, sem projeto, vazia em propostas e por isso mesmo cheia de bravatas.
Bueno, é óbvio que o leitor a essa altura deve achar que sou um petista doente que defende incondicionalmente o governo. E não poderia estar mais enganado. Acham que estou dizendo que não devemos então nos mobilizar contra a corrupção? De modo algum. O problema é a dimensão que o debate tomou e ocupou na agenda pública.
É no mínimo preocupante que, enquanto Europa, mundo árabe e até os EUA discutem e repensam o modelo econômico e político que nos foi imposto, enquanto o Chile sai às ruas para discutir e demandar Educação, nós nos voltemos contra esse fantasma, esse espectro maligno que, como por mágica, se apoderou do Congresso.
"O brasileiro" insiste em ver seus políticos como algo separado da sociedade, descolado da realidade. Isso é em parte verdade, mas veicula uma grande mentira: a de que os políticos governam e legislam em causa própria. É uma meia verdade que eles "não nos representam" (e atente para as diferenças que esse lema possui na Espanha e aqui). O problema é quem eles representam. Pois todo político está lá em nome de forças sociais, e a questão é que essas forças sociais estão representadas de modo totalmente desigual.
As três maiores bancadas são a empresarial, a ruralista e a evangélica. Ora, isso obviamente não é uma representação legítima das forças sociais. E esse é o principal problema da marcha contra a corrupção: ela é totalmente incapaz de ver os mecanismos que capturam o sistema político.
Essa captura pelos grandes grupos econômicos e outras elites é a causa fundamental do imobilismo nos temas mais importantes que temos de debater.
É justamente essa distorção perversa da democracia que está em xeque no mundo ocidental, mas enquanto poderíamos discutir outras formas de organização política e econômica, a marcha se investe de uma "neutralidade", de um "apartidarismo", e de bandeiras toscas que só conseguem reforçar o coro punitivista que encharca o tecido social de ódio.
Afinal, o que esperam atingir? Que os políticos ouçam o grito que vem das ruas e se sintam culpados de formar e privilegiar os cartéis do Planalto? Que parem e pensem "ooh, meu deus, eles não estão satisfeitos com meu trabalho"?
Enfim, além de ser inútil, não ter propostas nem bandeiras decentes e se revestir de uma "neutralidade" que não existe e nem nunca existiu, o movimento trabalha nessa dicotomia tosca de "nós, população civil", contra "eles, políticos". Mas é óbvio que grande parte desse movimento acha que o responsável pela corrupção é o PT - e vá lá, o PMDB -, enquanto outros acham que é o Sarney, e outros acham que é o capitalismo. O que fica evidente é: essa necessidade de neutralidade, de "NÃO LEVEM BANDEIRAS DE PARTIDOS", etc, apenas evidencia a fragilidade de um movimento que luta contra uma abstração mas que possui dentro de si as verdadeiras divergências e lutas que permeiam a sociedade.
Além disso, ficou novamente claro o poder de agenciamento que a mídia hegemônica tem sobre o debate público. Praticamente todos estão convencidos de que nunca houve tanta corrupção no país. Porra, quem pensa isso não conhece um pingo da história do Brasil. A formação do Estado brasileiro é essencialmente corrupta. Alguém acha que a República Velha e o Estado Varguista eram probos e ilibados? A mais cômica de todas as afirmações é que na ditadura não havia tudo isso que tá aí. Aham, com a inexistência de Ministério Público e liberdade de Imprensa, e com a Polícia Federal mais preocupada em estuprar e matar do que fiscalizar os mecanismo de poder, bom, não fica difícil esconder a sujeira debaixo do tapete.
Se os alvos se direcionam contra o PMDB e a aliança dessa gigantesca máquina fisiológica sem cor ideológica, bom, basta dizer que o Sarney também foi presidente do Senado na base aliada do FHC, e que o Renan Calheiros chegou a ser Ministro da Justiça (sim! parece piada!) do príncipe dos sociólogos. Pra não falar no Toninho Malvadeza, grande ministro das comunicações! Enfim, a tchurma podre que ocupa o Congresso não brotou da umidade (ou falta de) do ar do Planalto, e tampouco chegou ali com o Lula.
Essa juventude pulitisada que ta aí na rua contra a corrupção é muito bonita, a mídia ta adorando, principalmente o Iotti e seu "acorda zé povinho!". Mas a questão é que esse moralismo se dissolverá facilmente no ar, e tomara que cedo, pois temos de protestar e pautar a mídia - em vez de ser pautados por ela - com os verdadeiros temas: reforma tributária progressiva (pois aí reside um dos sustentáculos maiores da desigualdade brasileira), reforma agrária (para ressuscitar essa causa que o PT vem ajudando a enterrar), regulamentação da mídia, revisão da política de drogas (leia-se LEGALIZE JÁ), etc. (poderia me delongar e falar ainda sobre reforma psiquiátrica, causa LGBT, entre tantas outras extremamente mais importante que essa que temos aí).
Afinal, quem é a favor da corrupção? Está na hora de tirar as máscaras moralistas e empunhar bandeiras onde as tensões sociais realmente se revelem.
quarta-feira, 15 de junho de 2011
O Movimento 89 de Junho e o DCE da PUCRS
É, tá dando o que falar esse DCE da PUCRS. Finalmente. Depois de 20 anos de fraudes e monopólio no Diretório (não) representativo dos estudantes, é de se esperar que as enxurradas árabe-europeias de manifestações respingassem aqui. Comparação forçada? Creio que não. A questão principal é a representatividade posta em xeque, ou melhor, a constatação de que as instituições "democráticas" estão totalmente débeis, e não mais se justificam. Estão caducas, seja na Europa, pelos tentáculos do capitalismo financeiro, seja na PUCRS, pelos tentáculos do PDT. No entanto, as semelhanças não param por aí.
Se o fato principal - estudantes se levantando contra fraudes e falta de democracia na sua universidade - é digno de entusiasmo, a ladainha que envolve o caso é extremamente frustrante. Frustrante porque, se o Movimento 89 de Junho mostra que o espírito crítico sobrevive, as opiniões veiculadas na mídia mostram que o conformismo e a estupidez do senso-comum formam maioria avassaladora.
A primeira questão a respeito do caso, que o Conversas Cruzadas fez o desfavor de levantar, é: a luta no DCE se deve a questões educacionais ou partidárias? Ora, trata-se novamente do engodo que diz que educação é uma coisa e política é outra. Se a intenção era afirmar (ou questionar) que questões partidárias não devem afetar as decisões do DCE, estamos de acordo. No entanto, a verdadeira problemática que a questão traz é a que mais desanima os sempre desanimados: a luta do DCE envolve "dois lados", cada um representando um partido. Isso é falso.
Em primeiro lugar, DCE e Universidade são, sim, espaços para fazer política. Mais que isso, é impossível não fazer política neles. O próprio não-fazer política neles seria fazer política. Ora, lutar por um Restaurante Universitário com preços justos, lutar contra um aumento de mensalidade abusivo, lutar por um currículo que represente melhor os anseios dos estudantes, lutar por uma representatividade honesta nos congressos estudantis, isso tudo é o que? Fazer tricô? Não. Fazer Política. E não lutar por nada disso também é fazer política, mas a política com "p" minúsculo, a política da omissão.
Se o problema é o envolvimento de manifestantes com partidos políticos, o que fazer? Exigir que quem se envolve com política fora da universidade não se envolva dentro? E o contrário também? Não é preciso argumentar para mostrar o absurdo dessa questão. Se filiados ao Psol, ao PT, ou a qualquer outro partido são os que começaram e coordenaram as manifestações, isso é motivo de orgulho para eles, e deveria ser de vergonha para os orgulhosos apartidários que nunca fizeram nada que não fosse xingar mto no twitter. Porque temer as ligações partidárias? Não se deve condená-las, mas sim controlá-las, para que não se repita o que a juventude "trabalhista" vem fazendo há 20 anos. E, até onde eu sei, todo o movimento cobra exatamente isso: mais transparência, mais democracia, mais representatividade. Por que temer a bandeira de um partido e não se juntar a ele se as exigências são as mesmas? Por que não lutar pela agenda mínima de "democracia já"?
Reduzir um problema político a uma questão de "dois lados" é estupidez, pois esconde os verdadeiros problemas - fraude, corrupção, representatividade, democracia. Essa visão funciona como um incentivo à omissão, e é isso que constatamos na PUCRS. Dos mais de 20 mil alunos, são menos de mil que estão se mobilizando. E certamente a maioria enxerga a questão toda como "uma luta entre partidos pelo poder". Se essa é uma questão realmente presente nas lutas pelos diretórios Brasil afora, essa não é a questão - por ora - na PUCRS. O que o senso-comum afirma nesse caso é que há dois lados na questão: dois partidos políticos. Como no Brasil, hoje, política e partido são sinônimos de podridão e podridão, coloca-se os "dois lados" em uma balança hipotética e constata-se a igualdade. E a partir daí, só resta o imobilismo. E a quem interessa o imobilismo? Não é preciso responder. E é impossível não reparar que os primeiros a condenar o Movimento 89 de Junho o fazem pela "desilusão com a política", ou por acharem que "é briga de partidos". E o que oferecem em troca? Imobilismo!
Ora, tomar lado não é acatar ordens. Engana-se quem acha que os adolescente que trancaram a Av. Ipiranga estavam lá para fazer baderna, ou como massa de manobra. Estavam lá pois estão descontentes, assim como estavam os egípcios, os tunisianos, os espanhóis e todos outros. Além disso, os primeiros a condenar a "baderna" são também os primeiros a dizer que "o brasileiro é idiota, o brasileiro perdeu a capacidade de se indignar, etc". Em vez de julgar o movimento e taxá-lo de massa de manobra de partidos, deveríamos antes nos entusiasmar com a materialidade de sua luta, com sua presença na rua, com o grito em seus pulmões, com a indignação em seus espíritos.
A ocupação da Ipiranga ilustra exatamente isso: não são alienados, não são massa de manobra, não estão ali por que querem fazer baderna. Duvida? Pergunte a qualquer um deles. Eles sabem o que os colocou ali, eles sabem que política se faz na rua, e eles sabem que o DCE e a ouvidoria da PUCRS estão cagando e andando para seus anseios. Sabem isso tanto quanto sabem que, se continuarem contando apenas com os "canais institucionais" para desaguar sua ira e frustração, continuarão falando sozinhos, isolados uns dos outros. Eles fizeram sua escolha: se uniram, ocuparam, resistiram e lutaram. Lutam. Na rua. Na praça. Sabem que "a praça é do povo como o céu é do condor", que a rua é do povo, e não do automóvel. Sabem chamar a atenção para uma causa mais do que legítima. E quem há de discordar?
Se o fato principal - estudantes se levantando contra fraudes e falta de democracia na sua universidade - é digno de entusiasmo, a ladainha que envolve o caso é extremamente frustrante. Frustrante porque, se o Movimento 89 de Junho mostra que o espírito crítico sobrevive, as opiniões veiculadas na mídia mostram que o conformismo e a estupidez do senso-comum formam maioria avassaladora.
A primeira questão a respeito do caso, que o Conversas Cruzadas fez o desfavor de levantar, é: a luta no DCE se deve a questões educacionais ou partidárias? Ora, trata-se novamente do engodo que diz que educação é uma coisa e política é outra. Se a intenção era afirmar (ou questionar) que questões partidárias não devem afetar as decisões do DCE, estamos de acordo. No entanto, a verdadeira problemática que a questão traz é a que mais desanima os sempre desanimados: a luta do DCE envolve "dois lados", cada um representando um partido. Isso é falso.
Em primeiro lugar, DCE e Universidade são, sim, espaços para fazer política. Mais que isso, é impossível não fazer política neles. O próprio não-fazer política neles seria fazer política. Ora, lutar por um Restaurante Universitário com preços justos, lutar contra um aumento de mensalidade abusivo, lutar por um currículo que represente melhor os anseios dos estudantes, lutar por uma representatividade honesta nos congressos estudantis, isso tudo é o que? Fazer tricô? Não. Fazer Política. E não lutar por nada disso também é fazer política, mas a política com "p" minúsculo, a política da omissão.
Se o problema é o envolvimento de manifestantes com partidos políticos, o que fazer? Exigir que quem se envolve com política fora da universidade não se envolva dentro? E o contrário também? Não é preciso argumentar para mostrar o absurdo dessa questão. Se filiados ao Psol, ao PT, ou a qualquer outro partido são os que começaram e coordenaram as manifestações, isso é motivo de orgulho para eles, e deveria ser de vergonha para os orgulhosos apartidários que nunca fizeram nada que não fosse xingar mto no twitter. Porque temer as ligações partidárias? Não se deve condená-las, mas sim controlá-las, para que não se repita o que a juventude "trabalhista" vem fazendo há 20 anos. E, até onde eu sei, todo o movimento cobra exatamente isso: mais transparência, mais democracia, mais representatividade. Por que temer a bandeira de um partido e não se juntar a ele se as exigências são as mesmas? Por que não lutar pela agenda mínima de "democracia já"?
Reduzir um problema político a uma questão de "dois lados" é estupidez, pois esconde os verdadeiros problemas - fraude, corrupção, representatividade, democracia. Essa visão funciona como um incentivo à omissão, e é isso que constatamos na PUCRS. Dos mais de 20 mil alunos, são menos de mil que estão se mobilizando. E certamente a maioria enxerga a questão toda como "uma luta entre partidos pelo poder". Se essa é uma questão realmente presente nas lutas pelos diretórios Brasil afora, essa não é a questão - por ora - na PUCRS. O que o senso-comum afirma nesse caso é que há dois lados na questão: dois partidos políticos. Como no Brasil, hoje, política e partido são sinônimos de podridão e podridão, coloca-se os "dois lados" em uma balança hipotética e constata-se a igualdade. E a partir daí, só resta o imobilismo. E a quem interessa o imobilismo? Não é preciso responder. E é impossível não reparar que os primeiros a condenar o Movimento 89 de Junho o fazem pela "desilusão com a política", ou por acharem que "é briga de partidos". E o que oferecem em troca? Imobilismo!
Ora, tomar lado não é acatar ordens. Engana-se quem acha que os adolescente que trancaram a Av. Ipiranga estavam lá para fazer baderna, ou como massa de manobra. Estavam lá pois estão descontentes, assim como estavam os egípcios, os tunisianos, os espanhóis e todos outros. Além disso, os primeiros a condenar a "baderna" são também os primeiros a dizer que "o brasileiro é idiota, o brasileiro perdeu a capacidade de se indignar, etc". Em vez de julgar o movimento e taxá-lo de massa de manobra de partidos, deveríamos antes nos entusiasmar com a materialidade de sua luta, com sua presença na rua, com o grito em seus pulmões, com a indignação em seus espíritos.
A ocupação da Ipiranga ilustra exatamente isso: não são alienados, não são massa de manobra, não estão ali por que querem fazer baderna. Duvida? Pergunte a qualquer um deles. Eles sabem o que os colocou ali, eles sabem que política se faz na rua, e eles sabem que o DCE e a ouvidoria da PUCRS estão cagando e andando para seus anseios. Sabem isso tanto quanto sabem que, se continuarem contando apenas com os "canais institucionais" para desaguar sua ira e frustração, continuarão falando sozinhos, isolados uns dos outros. Eles fizeram sua escolha: se uniram, ocuparam, resistiram e lutaram. Lutam. Na rua. Na praça. Sabem que "a praça é do povo como o céu é do condor", que a rua é do povo, e não do automóvel. Sabem chamar a atenção para uma causa mais do que legítima. E quem há de discordar?
domingo, 19 de dezembro de 2010
Até a mais alta torre começa com a primeira pedra
Bom, esse é o primeiro post. Eu escrevo ele para mim mesmo, pra tentar entender o que quero escrever aqui, como quero escrever aqui, e num sentido mais técnico mesmo, pra ir "pegando a manha". É uma vergonha ter passado por Jornalismo Digital, Online I, Online II e Projeto Online e não saber fazer um blog decentemente, mas é a vida, né? Pelo menos dei o primeiro passo, e logo logo pego o jeito (por exemplo: espero descobrir em breve como colocar a descrição desse blog no lugar certo - que pra mim, seria à direita da tela, num espaço mais discreto).
Bom, eu falei em "primeiro passo", certo? O título do post também é sugestivo: "até a mais alta torre começa com a primeira pedra". Bonitinho, não? Foi a frase que eu escolhi pra aparecer no telão junto da minha foto na formatura da 8va série. E ontem foi minha formatura da faculdade. Poisé. Jornalista formado. E só agora comecei um blog, hehe. Mas acho que isso é bom. Não quero entrar nessas tosquices de "renovação de fim de ano". Não é isso. É que sair do Jornalismo - e da Famecos - é, pra mim, cortar o cordão umbilical da vida-colégio. Não deveria ser - sim, eu deveria ter caído na real durante a faculdade -, mas é. A Famecos foi um pós-colégio, uma extensão da vida escolar, e vejo no ingresso na UFRGS, no curso de Ciências Sociais, o verdadeiro amadurecimento, em todos sentidos possíveis. Desse modo, esse blog é a primeira pedra pra uma reflexão mais profunda, pra marcar e deixar marcados esses pensamentos e sentimentos que vêm e vão com tanta facilidade que sequer lembramos deles alguns dias depois. Isso aqui é uma marca que pretende marcar. Não faço esse blog para me lerem. Antes disso, faço esse blog para me ler.
Quanto ao nome do blog, é mais uma homenagem minha a Roland Barthes, escritor fantástico que descobri nessa reta final de graduação. Em suas obras, Barthes fala muito de como o Poder se instaura na linguagem, e de como todo discurso está a serviço de um Poder. Se prestarmos um pouco mais de atenção, podemos notar que o senso-comum e o establishment andam de mãos dadas, mesmo que à primeira vista não pareça. Mas assim o é, pois o senso-comum sempre tende a naturalizar o estado das coisas. É contra essa naturalização que Barthes - e aqueles que o lêem - se volta. Desse modo, Barthes retoma o conceito aristotélico de "doxa" para colocar seu discurso de modo para-doxal. Isso porque, para Aristóteles, a Doxa seria a "opinião geral, corrente", enfim, o senso-comum (e é muito importante saber diferenciá-lo da sabedoria popular, mas isso é [quase] outra história). Desse modo, Barthes entendia que, no seu papel de intelectual, se bater contra o senso-comum e seu poder amortizador, naturalizador, da linguagem e do mundo, era mais que uma obrigação: era uma aventura.
Bom, aqui pretendo o mesmo. Para-doxar. Buscar novos olhares - ou velhos, desde que diferentes. Desde que rompam com o estabelecido. Desde que tragam a graça de fugir da mesmice.
Bom, eu falei em "primeiro passo", certo? O título do post também é sugestivo: "até a mais alta torre começa com a primeira pedra". Bonitinho, não? Foi a frase que eu escolhi pra aparecer no telão junto da minha foto na formatura da 8va série. E ontem foi minha formatura da faculdade. Poisé. Jornalista formado. E só agora comecei um blog, hehe. Mas acho que isso é bom. Não quero entrar nessas tosquices de "renovação de fim de ano". Não é isso. É que sair do Jornalismo - e da Famecos - é, pra mim, cortar o cordão umbilical da vida-colégio. Não deveria ser - sim, eu deveria ter caído na real durante a faculdade -, mas é. A Famecos foi um pós-colégio, uma extensão da vida escolar, e vejo no ingresso na UFRGS, no curso de Ciências Sociais, o verdadeiro amadurecimento, em todos sentidos possíveis. Desse modo, esse blog é a primeira pedra pra uma reflexão mais profunda, pra marcar e deixar marcados esses pensamentos e sentimentos que vêm e vão com tanta facilidade que sequer lembramos deles alguns dias depois. Isso aqui é uma marca que pretende marcar. Não faço esse blog para me lerem. Antes disso, faço esse blog para me ler.
Quanto ao nome do blog, é mais uma homenagem minha a Roland Barthes, escritor fantástico que descobri nessa reta final de graduação. Em suas obras, Barthes fala muito de como o Poder se instaura na linguagem, e de como todo discurso está a serviço de um Poder. Se prestarmos um pouco mais de atenção, podemos notar que o senso-comum e o establishment andam de mãos dadas, mesmo que à primeira vista não pareça. Mas assim o é, pois o senso-comum sempre tende a naturalizar o estado das coisas. É contra essa naturalização que Barthes - e aqueles que o lêem - se volta. Desse modo, Barthes retoma o conceito aristotélico de "doxa" para colocar seu discurso de modo para-doxal. Isso porque, para Aristóteles, a Doxa seria a "opinião geral, corrente", enfim, o senso-comum (e é muito importante saber diferenciá-lo da sabedoria popular, mas isso é [quase] outra história). Desse modo, Barthes entendia que, no seu papel de intelectual, se bater contra o senso-comum e seu poder amortizador, naturalizador, da linguagem e do mundo, era mais que uma obrigação: era uma aventura.
Bom, aqui pretendo o mesmo. Para-doxar. Buscar novos olhares - ou velhos, desde que diferentes. Desde que rompam com o estabelecido. Desde que tragam a graça de fugir da mesmice.
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